Novas Regras de Inscrição no SNS: Um Risco para o Acesso Universal à Saúde

A Humans Before Borders manifesta a sua firme oposição e preocupação face às recentes alterações legislativas que impactam o acesso de cidadãos estrangeiros ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). As medidas estabelecidas pelo Despacho n.º 14830/2024, Despacho n.º 40/2025 e a Resolução da Assembleia da República n.º 47/2025 introduzem barreiras administrativas e financeiras que podem comprometer o direito universal à saúde e agravar a exclusão de populações vulneráveis. Estas medidas passaram despercebidas ao escrutínio público, mas têm consequências graves: podem representar um obstáculo ao acesso universal à saúde, penalizando especialmente os migrantes

Entre os principais problemas identificados, destacamos:

O Despacho n.º 14830/2024 altera a gestão do Registo Nacional de Utentes (RNU) e pode limitar o acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) para cidadãos estrangeiros sem autorização de residência, sob pena de exclusão dos mesmos do acesso ao SNS, incluindo pessoas em situação irregular, cidadãos estrangeiros requerentes de asilo e trabalhadores sazonais. Acresce que continuam a existir atrasos significativos na regularização dos documentos devido às dificuldades de atendimento da AIMA e das próprias unidades de saúde. Há uma falta de clareza sobre o acesso ao SNS para cidadãos com registo “em curso” ou “incompleto” no RNU – estas categorias podem resultar na exclusão de migrantes do acesso à saúde. Além disso, o despacho define que, se um utente não regularizar a sua situação em 180 dias, poderá perder o acesso aos cuidados de saúde. Também permite a partilha de dados pessoais com outras entidades, não estando especificadas quais as entidades com quem a partilha de dados pode ser feita, o que gera incerteza e pode dissuadir pessoas em situação irregular de procurarem assistência médica, aumentando o medo de discriminação por serviços de imigração.

O Despacho n.º 40/2025 estabelece que cidadãos estrangeiros com médico de família tornam-se “elegíveis para reformulação de atribuição de médico de família” caso não tenham realizado uma consulta médica nos cuidados de saúde primários nos últimos cinco anos. No entanto, entendemos que esta formulação significa, na prática, a sua remoção da lista de médicos de família, ignorando contactos com enfermagem e outros serviços do SNS e impondo um critério discriminatório de exclusão. Esta exigência, além de injustificada do ponto de vista clínico, compromete o princípio da equidade no acesso à saúde e pode sobrecarregar o SNS sem benefícios claros, para além de que não se aplica aos cidadãos portugueses, representando uma forma clara de discriminação e impondo barreiras desproporcionais a pessoas que já enfrentam dificuldades burocráticas no acesso à saúde.

A Resolução da Assembleia da República n.º 47/2025, prevê a criação de um banco de dados detalhado sobre os utentes estrangeiros que acedem ao SNS, gerando preocupações sobre privacidade e pode desincentivar migrantes em situação irregular a procurarem cuidados de saúde, por medo de que a sua informação seja partilhada com autoridades de imigração. Ademais, a resolução prevê a obrigatoriedade de pagar antecipadamente por consultas, exames e tratamentos não emergentes, o que cria barreiras financeiras significativas para migrantes sem recursos ou seguros de saúde, o que pode resultar na recusa de atendimento. Adicionalmente, o critério de emergência descrito é subjetivo, levando a desigualdade no acesso e à sobrecarga dos serviços de urgência, pois os utentes podem adiar a procura por cuidados até que a sua situação se torne crítica. Ainda, afecta especialmente as pessoas que ainda estão em processo de regularização e podem não ter cobertura financeira garantida. Além disso, a recusa de atendimento pode configurar um crime de omissão de auxílio, conforme previsto na Lei n.º 93/2017 e o Código Penal,  independentemente da pessoa possuir número de utente, se profissionais de saúde ou administrativos ao negarem assistência essencial a migrantes, causarem agravamento da saúde, perante uma situação de grave necessidade. Desta forma, esta resolução não só compromete o acesso universal à saúde, como coloca os próprios profissionais do SNS numa posição delicada, obrigando-os a escolher entre cumprir uma norma administrativa injusta ou arriscar penalizações legais.

A Humans Before Borders insta o Governo a garantir que nenhuma decisão administrativa resulte em discriminação ou restrição injustificada ao direito à saúde, propondo:

  • Salvaguardar o acesso ao SNS para qualquer cidadão em território nacional, independentemente do seu estatuto migratório.
  • Clarificar as normas de registo no RNU, garantindo que a sua aplicação não crie mais obstáculos administrativos ao acesso aos cuidados de saúde.
  • Garantir o respeito pela privacidade dos utentes, impedindo a partilha de dados médicos com entidades responsáveis por decisões de afastamento e recusa de vistos.
  • Assegurar a conformidade destas medidas com o regime jurídico e constitucional, prevenindo discriminação com base na nacionalidade.

Dado o impacto destas medidas, exigimos a revogação destas medidas e um compromisso claro com o direito universal à saúde, independentemente da nacionalidade ou do estatuto de residência.

A Humans Before Borders apela a um debate público sobre estas mudanças e insta as autoridades a garantirem que ninguém seja excluído do SNS por razões burocráticas ou discriminatórias.

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